A vida não precisa de plástica

O curioso caso de Benjamin Button / Foto: Divulgação

A sociedade atual vive uma grave crise. Não apenas econômica, mas principalmente de identidade. Ocorre uma inversão de valores e uma perigosa relativização que têm afetado todas as áreas, tornando tudo descartável e circunstancial, de modo que se tira a importância real das coisas e confere a tudo e a todos uma relevância que oscila ao sabor das conveniências do momento. Na sociedade atual, até a vida pode ser descartada de acordo com a circunstância e os interesses de quem decide.

Um dos fatores que têm sido atingidos brutalmente por essa turbulência existencial é a auto-estima. Sim, as pessoas vivem em meio a uma superficialidade tamanha que não conseguem lançar um olhar mais atento para si mesmo e para o mundo, desperdiçando a oportunidade de aprofundar sua visão a respeito da própria vida. Daí o sentimento de rejeição de si mesmo e da própria aparência, como se a pessoa se resumisse ao que se vê diante do espelho.

Um claro sinal disso são as milhares e milhares de pessoas que lotam os consultórios de cirurgia plástica no mundo inteiro. Mudar as formas do corpo e os traços do rosto, antes uma prática restrita a casos específicos, hoje virou uma febre, uma moda abordada pela mídia de várias maneiras: desde entrevistas com profissionais, nesses programas que dão dicas sobre estética, até reality shows em que pessoas comuns se submetem a diversas cirurgias para tentar ficar parecido com algum astro do cinema ou da música. Sem esquecer, é claro, das famosas “transformações”, que mostram o antes e o depois em diversos programas de TV.

Se em várias culturas da antiguidade se embalsamavam os mortos na crença de que isso faria perpetuar a vida de uma pessoa importante ou na certeza de que um dia o espírito de um grande líder voltaria ao seu corpo, hoje em dia existe uma corrida desenfreada pelo cobiçado (porém ainda não encontrado) elixir da juventude. É, hoje em dia as pessoas estão sendo embalsamadas em vida, tentando de todas as formas voltar a ser jovem ou evitar as tão indesejadas rugas. Se antes era necessário ir a um museu importante para ver uma múmia, hoje as encontramos por toda parte.

Com todo respeito ao legítimo direito que as pessoas têm de fazerem cirurgias plásticas, penso que anda havendo um exagero. O medo de envelhecer tem feito de muita gente verdadeiras múmias vivas. Não apenas pelo exagero de repuxos e de produtos injetados nos músculos da face, nas pernas, nos seios e em todo o corpo. Quem não tem dinheiro para se “transformar”, vira uma múmia por dentro, insatisfeita com a própria idade e sofrendo de um pavor maior a cada ano que se passa. Se continuarmos assim, desprezando a velhice, muito em breve vamos viver numa sociedade suicida, em que as pessoas vão tirar a própria vida aos 30 anos, para não ter que se ver envelhecendo. Parece argumento trágico de um desses filmes de Hollywood, não é? Pois não estamos muito longe de disso.

Por falar em cinema, esta semana assisti um filme extraordinário. Há, na minha memória, uma lista de títulos que considero os melhores que já assisti ao longo dos meus 32 anos de vida. Antes de ontem, quando a tela escureceu e os créditos começaram a subir, percebi que havia acabado de presenciar mais um daqueles filmes que tiveram a capacidade de me arrebatar e que, portanto, merece estar nesse seleto grupo dos melhores filmes da minha vida.

O nome do filme é “A Curiosa História de Benjamim Button”, protagonizado por Brad Pitt e Cate Blunchett, numa atuação, a meu ver, impecável de ambos. O longa-metragem de quase três horas conta a história de um homem que nasceu com uma velhice precoce, mas que ao longo dos anos, ao invés de envelhecer mais, rejuvenece. “Um sonho”, talvez diga alguém mais apressado. Mas o filme discute, de modo profundo e bonito, o processo de envelhecimento e o medo que as pessoas têm de perder a beleza e o vigor da juventude. No final das contas, a certeza de que envelhecendo ou rejuvenecendo, chegaremos ao mesmo lugar, à mesma situação, inerente à condição humana.

Não sou crítico de cinema nem expert da sétima arte para fazer uma avaliação técnica a respeito do roteiro, da narrativa, da fotografia, da continuidade, da maquiagem ou do desempenho dos atores . O fato é que o filme me arrebatou e me levou a perceber o valor da vida em todas as suas fases, a beleza de viver bem os desafios e descobertas de cada momento, desde a mais tenra idade até o último suspiro.

Cada um tem uma visão a respeito desse assunto e todos têm o direito de querer ser mais jovem, mais bonito, mais forte. Porém, acredito que vale a pena assistir a “A curiosa história de Benjamin Button” para perceber que a vida não precisa de plástica, ela é linda do jeito que é, com todas as suas nuances, agradáveis ou não. A velhice não é o problema, a juventude também não, o mal está em não se aceitar, não se amar. Aí não vai adiantar ter 5 ou 50, 20 ou 40, estaremos sempre insatisfeitos, e o espelho será sempre o nosso pior inimigo.

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